5.6.07

divulgar, reflectir... introspectivamente







Como construir a sua moradia sem ter que aturar um arquitecto

Um texto de Rui Campos Matos Arquitectoescrito para o Diário de Notícias da Madeira, secção “Arquitectura e Território
Novamente publicado na publicação PAPELDEPAREDE objecto urbano em espaço rural tema casa

Quantas pessoas, quando chega o momento de construir a moradia com que sempre sonharam, não passam pela aflição de perguntar a si próprias: será que vou ter de aturar um arquitecto?
Neste pequeno artigo, tentarei explicar como construir uma nova casa, sem se sujeitar às exigências de um desses profissionais. Para que o empreendimento seja levado a cabo com êxito há que fazer três importantes escolhas: estilo, técnico e empreiteiro.
O estilo

Eis-nos perante a primeira decisão a tomar - o estilo da casa. Felizmente não é difícil porque existem apenas dois: o tradicional (também conhecido por rústico) e o moderno, que vem colhendo cada vez mais adeptos entre os jovens.
O tradicional caracteriza-se pelo típico telhado de aba e canudo, a janela de alumínio aos quadradinhos, a lareira de cantaria com a sua chaminé e o imprescindível barbecu, testemunho dos inumeráveis prazeres da vida rústica. Já o moderno é completamente diferente, tão diferente que até as coisas mudam de nome. O telhado desaparece, dando lugar à cobertura plana; a janela perde os quadradinhos e passa a chamar-se vão; à chaminé, em tubo de aço inoxidavel, chama-se fuga; e barbecu é um termo obsceno que deve ser evitado na presença das senhoras.
Não existem, pois, quaisquer espécie de dúvidas quanto a questões de estilo - ou se é tradicional ou se é moderno, as duas coisas ao mesmo tempo é impossível.
O técnico

Escolhido o estilo, há que escolher o alfaiate, que aqui designaremos pelo técnico. Trata-se de uma escolha muito fácil, porque o que não falta são técnicos. Intitulem-se eles construtores civis diplomados, agentes técnicos de engenharia, electricistas habilitados ou desenhadores habilidosos, todos se regem pela mesma cartilha, a de João de Deus: o pinto pia, a pipa pinga… Não passaram cinco anos a estudar arquitectura? Não estagiaram mais dois? Que importa isso? Concentremo-nos apenas nas suas virtudes:

1- Projecto elaborado em tempo recorde.
2- Preço: 999 €.
Mas como conseguem eles ser tão eficazes? É simples: antes de encomendado, o projecto já está feito. Até parece milagre! Mas não é, o que se passa é o seguinte: o técnico tem duas pastas no computador, uma para projectos em estilo tradicional, outra para os modernos. Escolhido o estilo pelo cliente, é fácil, emenda daqui, remenda de acolá e, numa tarde, o projecto está feito!
Para quê complicar?
“Mas o rapaz parecia semi-analfabeto, disse que não podia assinar o projecto, mas que havia outro técnico que podia…”. Não é caso para preocupações, trata-se de uma situação corrente em que um técnico analfabeto paga a um técnico habilitado para que este, a troco de uns trocos, assine de cruz. Está tudo incluído no pacote e, (ironia do destino!), quantas vezes o técnico habilitado não é um arquitecto daqueles que faltaram às aulas de religião e moral…
Aprovado o projecto, o técnico já não é preciso para nada. É dizer-lhe adeus que ele até agradece, porque de obra não percebe nada nem quer perceber, quem percebe disso é o empreiteiro – a nossa terceira e última escolha.
O empreiteiro

O primeiro encontro entre cliente e empreiteiro costuma ser decisivo. É nele que terá de se estabelecer, entre o primeiro e o segundo, uma relação de confiança cega, em tudo semelhante à fé. A fé de quem acredita que, com um projecto feito por um técnico, que não especifica nada, que não pormenoriza nada e que não quantifica nada, não vai ser enganado por um homem que passa o dia a fazer contas de cabeça… Entre cinco pequenos empreiteiros, como escolher o indicado para construir a moradia? Infelizmente, chegados a este ponto, não posso recomendar senão fé, muita fé e confiança, porque tudo o resto é irrelevante:
1- O valor do orçamento é irrelevante, foi feito com base no projecto do tal técnico, é um número atirado para o ar, um número que, com os imprevistos, há-de subir ainda umas quantas vezes.
2- O prazo estabelecido para concluir a obra vai depender do bom ou mau tempo e, nesse capítulo, só Deus sabe.
3- As garantias dadas são as que estão na lei - cinco anos. Se a casa apresentar defeitos, reclame; se a reclamação não for atendida, recorra ao tribunal (também pode recorrer ao pai natal se achar que demora menos tempo…)Em suma, não vale a pena perder tempo com ninharias, o mais importante é ter fé.
Conclusão

Se, apesar de conscienciosamente feitas estas três escolhas, as coisas não correrem lá muito bem, se a casa ficar pelo dobro do preço, se no Verão se assar lá dentro e no Inverno se tiritar de frio, se para abrir a porta do armário for preciso arrastar a mesa de cabeceira, se o vizinho protestar com o barbecu, se a cobertura plana meter água, não vale a pena desesperar, resta sempre a consolação de não ter tido de aturar um arquitecto.





Gostaría de complementar a reflexão anterior com um texto complementar do site http://aspirinalight.com publicado por Ivo Sales Costa




"E o que é uma casa senão o sitio onde te permites ser aquilo que a imaginação entenda fazer contigo?
O sitio onde te escondes, onde ninguém te encontra. Aquele ponto suspenso algures num território que forras com recordações por dentro, e que reconheces por fora, à distância.
Onde te encontras e ocasionalmente te perdes.


Do quarto para a sala, daí para a cozinha, e em todos os espaços que a estes se somem, onde as impressões digitais se cravam nas paredes. Quadros invisíveis que renovas a cada dia e que acabas sempre por pintar por cima.


O lugar das somas e subtracções, das divisões e multiplicações que somas ao longo da vida. O altar das tuas lágrimas, o livro dos teus sorrisos, capítulos que se sucedem de cada vez que abres a porta. Para entrar, ou sair.

Pouco importam os alçados, eles são a expressão simples da permissão que ofereces ao mundo dos outros de ser avistado por dentro do teu, mas que não evita a inconveniência insistente de te olharem de forma indiscreta.

É em casa que te estranhas, onde te entranhas.


O diário capta a imagem que ocasionalmente voltarás a recordar, com saudade ou desdém, não podes escolher.

Como um camaleão ao contrário que teima em ser diferente do restante ambiente, é na imagem exterior da tua casa que te vão reconhecer. E onde acabas por te identificar.

Do iglô à palhota africana, todos sabem quem és.

E no fim acabas sempre por subir a escada, mudar de roupa e preparar o descanso.

Desliga a televisão, amanhã é outro dia."

4 Comments:

Blogger Plum said...

Tudo é mais fácil de aturar que um arquitecto!Abraços***

8:08 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

serão os arquitectos "pessoas" de tão mau relacionamento e dotados de uma difícil comunicação para com os outros?

quero pensar que não.. mas também quero pensar que haverão pessoas destinadas a "aturar-me" ...

belo blog :) parabéns!

PmAfonso

4:03 da tarde  
Blogger João Miguel Correia said...

nós os ``profissionais do métier´´ teremos sempre de ser olhados como um(s) seres à parte...! Será isso um elogio ou uma critica?

É melhor pensar-mos que somos elementos fundamentais...!!! ou que poderemos...ser!!!

Maria, fiquei encantado com o que vi
parabéns...

3:14 da tarde  
Blogger Anabela Quelhas said...

Vim parar aqui, já nem sei por qual caminho.
Tomei a liberdade de te adicionar ao meu blog, para voltar mais vezes.

Sobre este post:
ARQUITECTO (A) SOFRE!!!!!
provávelmente ainda virei aqui copiar estes textos... estou avisando!
Abraço

12:21 da tarde  

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